Meu Rei
Chico Buarque é, em minha opinião, o principal nome de nossa música. Seja sozinho ou em parceria, suas obras desfilam por uma passarela onde vemos contempladas as mais diversas faces do Brasil. O Brasil malandro, o Brasil sofrido, o Brasil engajado... Poucos retrataram tão bem a alma feminina e posso citar aqui vários exemplos: Folhetim (
se acaso me quiseres / sou dessas mulheres / que só dizem sim); O meu amor (
eu sou sua menina, viu? / ele é o meu rapaz / meu corpo é testemunha / do bem que ele me faz); Olhos nos olhos (
e quantas águas rolaram / tantos homens me amaram / bem mais e melhor que você); entre outros. Os problemas sociais, é claro, nunca saíram de sua pauta: Meu guri (
quando, seu moço / nasceu meu rebento / não era o momento / dele rebentar / já foi nascendo com cara de fome / eu não tinha nem nome / pra lhe dar); o ícone Apesar de você (
apesar de você / amanhã há de ser outro dia / ainda pago pra ver / o jardim florescer / qual você não queria)...
Como professor de História, muitas vezes utilizo as letras de Chico Buarque & Cia. em minhas aulas; como esta que segue abaixo, parecria com Ruy Guerra para a peça
Calabar. Veja com que maestria os dois conseguem misturar Brasil e Portugal, utilizando elementos dos dois países. Entrementes, versos que romantizam a alma do colonizador lusitano.
Fado Tropical
Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...(além da
sífilis, é claro)*
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."
Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..."
Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial
* trecho original, vetado pela censura
Quer mais? Chico Buarque tem
um belo site no UOL, onde é possível encontrar praticamente tudo o que esse gênio já compôs. Um verdadeiro deleite para olhos e mentes!